terça-feira, 5 de outubro de 2010

capítulo 9 - Raquel


A Raquel lançava sempre um sorriso quando falava na Mariana, a meia-irmã, mais chegada a ela que a própria irmã, com quem sempre tivera uma relação conflituosa. Bastava olhar para aquelas duas mulheres, de coração deslumbrante, que se deixavam encantar nos seus silêncios, dizendo mais que muita retórica impingida, muitas das vezes apenas para confundir. 

No dia em que rebentou a bomba em Lisboa, Raquel encontrava-se em Mafra, na casa dos pais, onde trabalhava, ali muito perto do Convento, numa agência de viagens, que geria com um primo com quem sempre tivera grandes afinidades e que havia entrado com o capital necessário para começar uma aventura que ela sentia ser única. Para demonstrar a sua capacidade estrondosa de fazer dos negócios mais estranhos, nos sítios mais improváveis uma referência, uma falta de prudência que fazia a diferença, quase sempre pela positiva. Foi esta postura no negócio e a sua candura implacável que utilizava amiúde para convencer os clientes, que a fez esquivar-se à dura realidade que se vivia.


Raquel de vinte e nove anos, quatro anos mais velha  que Bondini, já era muito madura, de uma beleza e sensualidade quase demoníacas. Sempre vivera naquele pequeno paraíso, de vento e frio chamado Mafra, passeando a sua triunfante beleza e inteligência pelas terras saloias. Algo de normal naquela terra de cortar a respiração.


De amor e de dor, de contemplações passadas, dos réis e rainhas, das caçadas e das idas à Ericeira, que naquele tempo já era uma sombra feia da antiga vila piscatória. É certo que a profunda e desorganizada corrida à construção haviam desfigurado tudo e que a incúria dos governantes estava a dar os seus frutos podres e a demonstrar aos profetas da desgraça a sua infeliz razão. Raquel seguia bem atenta a toda essa constelação de asneiras, capitalizando o que podia funcionar a seu favor.

Cresceu no meio de uma família de algumas posses, tanto o pai como a mãe eram dali perto, do Sobreiro, bem ao lado da famosa Aldeia de José Franco, que ainda hoje atrai tantos turistas apesar do abandono a que começa a estar votada. 

Fez a escola toda em Mafra, conhecendo cada catraio que cirandava por aquelas bandas, nunca se moveu para além daquele círculo, andando por entre os mafarricos e os jagozes com um à vontade de quem quer tirar o melhor de cada um para seu exclusivo proveito. Oportunista? Interesseira? O tempo seria bom conselheiro na demonstração cabal de quem ela era.

Foi para a Universidade, tirar engenharia informática, aprendendo todos os truques para penetrar nas mais intrincadas redes informáticas ao ponto de ser referenciada pela Judiciária como uma das mais perigosas hackers do universo europeu. Reza a lenda que o seu professor de Programação na Universidade era um agente disfarçado da PJ e que ela se dispunha a actos de loucura que o punham fora de si. Sexo? Sim, sexo. Valia tudo, o prazer naquela mulher era algo de insaciável.

Conheceu-a na discoteca Sociedade Anónima, numa noite de intenso nevoeiro em que não se via um boi à frente do nariz, tinha ido para os copos com o André. O Ismael nessa noite estava a ultimar os preparativos para a ordenação. Na pista tocava o Blue Monday, coisa arcaica que sempre o deslumbrou, ainda hoje vibra com aqueles sons, ainda para mais quando se lembra que foi assim que conheceu a mulher da sua vida. 

O primeiro contacto foi apenas um mero roçar, viraram o corpo e de braços bem no alto, ela com a sua figura esguia, de peitos arrebitados, linda, linda de morrer, morena e de olhos verdes, excitou-o logo na altura...

- Quero fazer amor contigo
- Não perdes tempo, vamos

... tão simples como isto, tinha visto alguns filmes porno que não eram tão directos, e foram até a uma mesa, naquela noite fria, de nevoeiro brutalmente intenso. Ela sentou-se em cima dele, levantando a saia, roçando o seu sexo quente, meu Deus, tão ardente e prepotente na sua ânsia de o comer, logo ali, com tanta gente e sem ninguém a ligar nada, tal o frenesim que o Blue Monday provocava naquela malta nova, em transe. Depressa lhe fez a vontade penetrando-a com vigor. Enquanto isso as duas bocas uniam-se num salivar guloso sem a mais pequena preocupação de se sujarem ou de beliscarem a reputação. 

Olhou para o lado e viu André. O gajo piscou-lhe o olho e levantou-se, já tinha uma loira debaixo de olho e nessa noite nem sequer chegou a sair com ele, estava em absoluto êxtase. Foi directo para Mafra com Raquel. Deitaram-se sem nunca se largarem. Sem dormir, numa noite de sexo intenso, escaldante, brutal, como nunca mais tiveram. 

Nessa noite descobriram que nada mais os separaria, nas abençoadas fraquezas da carne, que tudo obscureciam. 

Casaram dois meses depois, na loucura de uma dança tribal qualquer numa discoteca da moda de Lisboa, que desapareceu no fatídico dia 24 de Abril.

Nesse dia Raquel estava em Belém, a ultimar um negócio com dois casais amigos que queriam marcar uma viagem para Cuba, tinha feito a viagem de automóvel de Mafra até aos limites do Rio Tejo, donde já se avistava a Ponte 25 de Abril. 

Esta era uma parte da Raquel, a sua atitude perante a vida era sempre de insistir, de avançar com os projectos por mais estranhos e bizarros que parecessem. Mais pela crença que pelas virtudes, mas ela encontrava sempre as virtudes necessárias para continuar…

- Que o homem não separe o que Deus uniu… - e um beijo na boca selou um casamento perfeito…

Sem comentários:

Enviar um comentário