sábado, 11 de dezembro de 2010

6

A semente fora lançada e não havia maneira de Nacho se separar de Ramona.

Nachito crescia a olhos vistos e sempre recebiam visitas de empresários, uns mais duvidosos que outros, mas com os quais o novo Nacho negociava duro, porque tinha um real talento impulsionado pela sua cada vez mais bela mulher que depois das noites selváticas de sexo se tranformara numa mãe extremosa, numa esposa fora do comum, sem nunca cair na submissão que sempre irritara Nacho e o levava a fazer coisas que não se faziam. Muito mau e levado da breca.

Entretanto realizaram-se novas eleições no Ayuntamento e foi nomeado um filho da terra de nome  Pau Puig, fruto de uma relação extra-conjugal entre Cinta e Mohamed, um trabalhador marroquino que entretanto havia sido expatriado pelos temíveis Mossos d’Esquadra, desde sempre convencidos que eram os emissários de Deus na terra, portando-se como verdadeiros fundamentalistas no que respeitava a qualquer  desvio à normalidade da Terra, ou seja se era estrangeiro levava um chuto no cu e já está.

Mas os tempos eram outros e Pau, secretamente conhecido por Mohamed, que tinha muito orgulho nas suas raízes e era dotado de uma inteligência de tal forma avassaladora que se resolvera dedicar à política, começando pela sua terra de nascimento aquilo a que chamava a total islamização de Espanha, começando pela radical Catalunha, num pedaço de mundo onde as idiossincrasias era algo que levava ao suicídio pelo vazio que se instalava na cabeça das pessoas, tal a falta de referências culturais. Era algo de complicado, mas contava com a brutal comunidade marroquina que já era metade da população local. Demolir a catedral decadente seria o primeiro passo e assim radicalizaria a sua proposta de forma eficaz. Em Madrid já se ultimavam os preparativos para o seu assassínio, algo que não era surpresa para Mohamed.

sábado, 13 de novembro de 2010

5

Até ao dia da revelação nada fazia prever que Nacho fosse ter uma reacção violenta, mas ele guardava todos os trunfos dentro da sua cabeça, o que já atingia proporções gigantescas, mas para evitar problemas tinha um bloco de notas onde ia apontando todas as revelações feitas por quem passasse e abrisse a boca, esperando um broche ou apenas para se confessar de alguma maldade ilusória, provocada por alguma dose de droga quase no ponto da overdose.

Mas naquele Domingo de chuva, enquanto Ramona o comia, chupando-lhe os tomates quase até os arrancar, Nacho ia sorrindo para dentro pensando na filha do presidente da Câmara e de como lhe apetecia saltar-lhe para cima. Qual depravado sem vergonha deu uma palmada no rabo de Ramona, porque alguém tinha que pagar por aqueles pensamentos sujos.

Sem o prever a polícia entrou em casa. Vinham uns quantos guardas e um oficial vestido à paisana, era Mocho, o marido de Ramona. Nacho surpreendido afastou com graciosidade Ramona dos seus tomates e socou-a assim que se viu a salvo. A peruana deu um berro e Mocho fechou a porta.
               
                Cinco minuto depois de um silêncio estranho o guarda Elizeu bateu à porta. Como se não ouvisse barulho abriu e viu Ramona ensanduichada entre os dois. A peruana pediu-lhe silêncio e que entrasse fechando a portas. Elizeu excitado deu indicações aos colegas para regressarem à esquadra que depois levava o relatório e entrou ocupando a boca de Ramona para que ela não gemesse. Assim como que por milagre Nacho que se ocupava da rata de Ramona veio-se com uma violência desmesurada, enquanto os outros dois homens se desunhavam com o que estava disponível na insaciável mulher.

Nove meses depois nasceu Nachito, com uns olhos em tudo iguais a Nacho. Mocho começou a tomar hormonas para mudar de sexo e anunciou o casamento com o seu homem, Elizeu que desde aquele dia tinha descoberto a mulher da sua vida no corpo de Mocho e o convencera que com os seus cozinhados e sem pirilau ele ficava muito melhor.

               Ramona divorciou-se em tempo recorde e casou-se com Nacho que virara pop star, com contrato assinado com uma multinacional e vídeos picantes na internet que lhe davam em definitivo a fama de garanhão que lhe permitia comer as chavalas todas do bairro!

domingo, 7 de novembro de 2010

4


O infinito por vezes habitava a mente algo confusa de Nacho. Sobretudo quando aquela chinesa, sem curvas que a distinguissem de um homem feio lhe oferecia perfumes baratos, vindos de um qualquer recanto sujo povoado de chinocas onde Nacho se sentia sempre perdido e sem apetite.

Dava-lhe sempre aversão tudo o que tivesse origem em chineses, os de carne e osso, que aquelas tretas baratas que vendem nas lojas ditas chinesas sempre dão jeito, mesmo que apenas tenham a utilidade igual ao papel com que se limpa o cu, pelo menos nas sociedades ocidentais.

Mas voltando ao infinito na mente de Nacho, esse pressuposto fazia-o sorrir sobretudo quando se lembrava dos beijos sentimentais que Ramona lhe dedicava ao berimbau, chupando-lhe a gosto as agruras de alguns anos sem molhar o pau onde ele devia ser molhado. Tudo lhe soava deliciosamente badalhoco quando pensava na peruana completamente húmida em prazer desvairado e a encornar o marido à força toda sem que este porventura desconfiasse de alguma coisa.

Entretanto num bar onde se encontrava com alguns espanhóis seus amigos, aparecia sempre um homossexual novo que se gabava de ter ido para a cama com o guru mariconço lá da zona. E Nacho falava baixo, talvez com a vergonha de gostar de mulheres, algo cada vez menos natural num mundo de extremadas liberdades em que o normal deixara de ser o usual. Constava que Ramona também gostava de chupar a pita a uma amiga, mas a má lingua apenas provinha de El Fernandez que queria comer o homem das  mulheres apenas para provar que nada lhe escapava.

E cada vez se serviam mais pollas sentimentais, o negócio prosperava, o que satisfazia Nacho que começava a receber propostas, inclusivé da mulher do presidente da câmara, uma loura platinada, bastante atraente no alto dos seus 43 anos que detinha enorme influência no meio empresarial da vila com pretensões a centro de um qualquer mundo diferente do planeta Terra. Nacho sentia-se um homem feliz, mas a vontade de fugir, proventura de se escapar para outra dimensão também não o abandonavam.

3


Não, a confusão instala-se numa cabeça quando as consultas de terapia familiar estão vazias e é Nacho que leva com as agruras familiares das senhoras insatisfeitas. Querem algo mais que porrada, que os gritos dos maridos que dão uso ao cinto para outras coisas que não apertar as calças.

Torna-se estranha a quantidade de mulheres casadas que lhe aparecem na pastelaria, que pedem sempre o mesmo tipo de pastel, o café a solo e tem que ser sempre Nacho a servi-las. O dono da pastelaria até deu um novo nome ao pastel, em tom de escárnio e mal dizer: polla sentimental. Diria que Ramona, escondida se poria a pensar em liquidar, uma por uma, as donas de casa descontentes dos maridos que apenas as fodem bem com o cinto.

Uma certa manhã Nacho resolveu não ir trabalhar, e pôs-se a caminho da cidade contígua, sem sequer pensar que o ganha pão que o manteria a são e salvo da crise instalada no mundo o pudesse fazer ser expulso daquela profunda frustração que era conviver com aquela gente que nem identidade cultural tinha.

Sacou do abono para fora das calças, e masturbou-se, enquanto um cão o observava com ar de poucos amigos, ainda assim sujou as mãos do esperma que estava sempre a mais dentro do seu corpo. Limpou as mãos num charco que passava ali perto e sorriu, sempre podia voltar para trás e amenizar a angústia do seu chefe, um homossexual brasileiro que era gozado pelo sotaque exótico. Nacho punha-se a pensar que as mulheres tinham razão em manter aquele ar de zombies perdidas, em busca de um naco de carne, algo duro que gostasse mais de penetrar do que ser penetrado.

Ramona, encontrou-se com uma moldava alta, loura e com olheiras profundas, ou talvez olhos negros da porrada que levava e abriu-lhe o pescoço com uma navalha de ponta e mola que trazia consigo. A eslava, grande como o caraças nem teve tempo para reagir e a morena, sentiu-se bem, cada vez mais perto do seu amor. Ao longe passavam alguns polícias que multavam um carro ao acaso que até nem incomodava por aí além. E depois chamou uma ambulância e ajeitando as tetas gigantescas sorriu e pôs-se a andar dali para fora.

Nacho sorria apesar de sentir as cuecas molhadas e algumas adolescentes de mini saia lançavam-lhe olhares lascivos que ele fazia por ignorar, até porque uma delas era filha de Ramona.

E do nada apareceram cinco tipos de polícia diferentes, ambulâncias e bombeiros e as vizinhas, gatos, mouros e a puta que os pariu a todos enquanto a moldava lançava golfadas de sangue pela garganta, pareciam não ter fim. Seria a moldava uma vampira?

domingo, 24 de outubro de 2010

2

A vida, é feita de sensações extremas. No meio poderá estar uma tentativa de suicídio, ou a vida perfeita, o que nem sempre terá a ver com o recorde mundial de quecas.

No dia em que Nacho se resolveu a mudar de vida, deixou de lado a sua antiga personalidade, a sua obstinada tentação por mulheres belas de corpo, mas que se situavam naquela zona intermédia que podia levar ao suicídio. Aquilo que veio encontrar, foi apenas mais do mesmo, apesar de a boca de Ramona debitar palavras em catadupa com um sotaque que o deixa louco.

Nacho faz da sua vida aquilo que sempre soube fazer, cozinhar. A sua barba de duas semanas e o corpo desleixado das intensas bebedeiras que teve enquanto fora mais novo e inconsciente nem por isso deixavam de atrair leoas esfaimadas que apenas o querem para foder. Muitos homens, daqueles que gostam apenas e só de foder as mulheres sentir-se-iam no Céu, todavia Nacho é aquilo a que na terra onde se encontra se chama de raro.

Na rua é costume a humidade atingir proporções elevadíssimas e ao passar pelas jovens produzidas por vezes esquece-se que poderão ter menos de 18 anos e o seu sexo endurece, o que sempre lhe provoca motivo de satisfação, ele que um dia se quis suicidar, apenas pela falta de uma mísera palavra de afecto.

Todos os dias, pelas seis da manhã dirige-se para a pastelaria onde faz os bolos mais deliciosos da cidade, não muito longe de vive, apesar de apenas Ramona saber o refúgio do seu amado. Tem a companhia do pasteleiro chefe, Josep um catalão endiabrado com 45 anos, divorciado e com fama de bissexual apesar de Nacho saber que este apenas namora com a filha de 19 anos do Alcaide, pelo tamanho descomunal da sua verga e pela potência da mesma, o que proporciona à belíssima jovem sessões contínuas de sexo a que ambos se dedicam todos os dias à hora do almoço, à do lanche e entre a meia noite e as três da manhã, e fica-se por aqui porque quer viver a vida não como um naco de carne mas como um homem de corpo inteiro e com sentimentos. Como não pode divulgar a sua paixão secreta, faz o papel daquilo que não é, permitindo-se ser visto na companhia de homens que apenas gostam de homens. Será o caso mais flagrante que alguma vez conheci de que as aparências iludem, diria que de um forma radical e Nacho sabe da verdade por mero acaso, o que poderá vir a ser de extrema utilidade.

1

Os olhos pedem descanso, mas ao assomar-se à janela, Nacho não pode deixar de ver os seus novos vizinhos, como não deixa de ver qualquer outro vizinho, tão perto se encontra das suas janelas, do seu odor, quase das suas entranhas. Mas estes novos vizinhos têm a beleza estonteante que só se costuma ver nas revistas cor-de-rosa, arautos da perfeita inutilidade que jamais irão à falência antes do colapso da raça humana.

No seu apartamento, pequeno, onde sentado no seu pequeno sofá, quase pode avistar as gotículas de suor do vizinho colombiano, Guillermo, que grita do prazer que lhe dá ser sodomizado pelo amigo equatoriano El Fernandez, famoso violador de homens casados, gordo, de cabelo comprido e com uns brincos ranhosos. Pode ser frequentemente visto na cidade em palestras com jovens que se riem das suas façanhas sexuais, enquanto o furioso enrabador brilha chamando a si todas as atenções. Entretanto o colombiano ajoelha-se e Fernandez começa a gemer.

Nacho telefona à sua amiga Ramona, peruana cujo nome faz lembrar um travesti, mas que afinal é uma mulher, como ele gosta de certificar pelo sabor incrível que apenas numa mulher verdadeira se pode encontrar.

O sexo, seja ele entre seres do mesmo sexo ou o dito normal, apenas o faz sentir um profundo tesão por aquela mulher, casada e mãe de alguns filhos, dona de casa exemplar, amante fogosa que não se esquiva a nada, absolutamente nada. Apenas Nacho se sente meio perdido por voltar a uma femêa que se encanta com coisas que a ele lhe causam asco, mesmo tentando acompanhá-la nas investidas incessantes perpetradas pela sua nova mulher endiabrada. Enquanto isso a ansiada vida normal fica de novo esquecida num  qualquer compartimento da sua mente distorcida.

O pudor que o visita por saber que o marido dela tem uns cornos cada vez maiores, é rapidamente substituído pela sensação animalesca de poder reviver os seus 22 anos, a idade em que deixou de ser selvagem na cama, para tentar ser um homem normal, algo que até à data apenas aparenta ser.

No leitor de cd’s do seu computador tem algumas músicas românticas apropriadas para Ramona, não que ela perceba o seu conteúdo, mas decerto que com a imaginação fogosa que a assalta depressa viverá novos rumos no seu destino, que passa ao lado de Nacho. Mas a sós assimilava as músicas já com alguns anos de DJ Tiesto, considerado o melhor do mundo por uma qualquer revista da especialidade no vetusto ano cristão de 2008.

Em casa apenas costuma ter a companhia de algumas moscas que entram em casa de cada vez que abre a janela, sem cortinas, com vista directa para o novo casal que Nacho anda com vontade de conhecer. Decerto que o passa palavra, próprio da cidade mesquinha onde vive os fará esconderem-se um pouco mais das vistas de gente pervertida, masturbando os sexos enquanto ejaculam sentenças sobre aqueles filhos da puta do segundo andar que gemem que se desunham, e que por vezes se assomam à janela, aumentando o odor a sexo que pulula nesta rua.

Quando Ramona chega é hora de deixar o que quer que seja de lado que apenas se vai competir com o novo casal da frente. A diferença reside na discrição de Nacho que, frio como um icebergue, não acarinha o que quer que seja da alma de Ramona, apenas lhe provoca orgasmos com a sua língua selvagem, os seus dedos grandes e leves. Deixa-a de tal forma excitada que ela acaba por acreditar que a sua falta de interesse se deve ao que ele quer que ela acredite que seja verdade. Com o qualquer mulher cega de paixão, ela pensa que o pode mudar, erro repartido por todas as mulheres da vida de Nacho, um rebelde sempre com causas diferentes, porventura incompreendido e sempre com as suas moscas fieis a rondá-lo.

Os olhos pesam e talvez seja hora de dormir, mas Nacho, guarda sempre uns minutos para se masturbar, apenas para que possa corresponder aos infindáveis avanços da sul-americana, que o quer, mas quer tanto que talvez um dia apenas se lembre do seu esperma a sair do nariz e sorria. Ramona é assim e Nacho é-lhe indiferente mas deixa-se estar porque no fundo até gosta tanto como ela.

Prefácio

AVISO: estas crónicas têm linguagem obscena que podem, ferir susceptibilidades, pelo que se tem complexos ou não gosta de linguagem dura e por vezes vulgar deve parar por aqui. Depois não se queixe nem me peça explicações... 


Apesar de Tortosa existir e algumas situações poderem parecer reais, tudo não passa de momentos mais ou menos divertidos e sobretudo exagerados de uma comunidade onde as referências culturais se alimentam mais da intriga que da verdade dos factos.

Seguem-se momentos algo estranhos na vida de um casal e da improvável ascensão de um muçulmano a presidente de uma câmara de um sítio que há mais de dois mil anos foi uma cidade governada pelos infiéis. Dependendo dos olhos de quem a vê uns são fieis os outros infiéis, apenas a verdade fica escondida dos olhos de todos.

capítulo 14 - os corpos que vegetam (final)

Um dia um clarão ofuscou tudo e todos. Foi um mero flash que mudou a vida de Lisboa, que destroçou os planos dos senhores de Sintra, que assanhou as pretensões invasivas das províncias independentistas do Oeste da Península Ibérica, governado pelos senhores do Porto e de Vigo.

As pessoas deixaram de ter vontade própria. Era oficial o plano de destruição das capacidades intelectuais pouco desenvolvidas dos portugueses em prol da ganância de alguns senhores pertencentes a seitas secretas, apesar da clareza das suas acções.

André, Ismael e Romão criaram uma nova ordem religiosa que visava converter os seres vegetativos em pessoas facilmente controláveis de maneira a conseguirem dominar o resto do mundo.

Após a sessão de tortura infligida pelo irmão gémeo de André, Ismael ganhou poderes extra-sensoriais que lhe permitiram dominar o pensamento das bestas torturadoras virando o feitiço contra os aprendizes de feiticeiro. Era esse o plano de André, que afinal já não seguia os ensinamentos de São Judas Tadeu e estava-se nas tintas para o bem-estar do mundo. Já Romão, após recuperar por completo das torturas infligidas na prisão, tornou-se o senhor de Sintra, após descobrir um chip que introduzido pelo nariz, chegava ao cérebro dando-lhe poderes sobre-humanos.

Era apenas o início de uma nova ordem mundial e os três homens, conhecidos de longa data tinham planos de aniquilação mútua. Apenas um deles, talvez nenhum, sobreviveria.

Dona Josefa revelou-se ser um demónio antigo que apenas tinha como função orientar Bondini para o regresso do filho de Lúcifer, após tal premissa seria dispensável, fossem qual fossem os planos deste.


Raquel rebelou-se, criando um exército em conjunto com a sua irmã Mariana e trinta mil mulheres-soldado biónicas. Pela intriga e pela força conseguiram dominar a arrogância dos senhores de Madrid e tomar de assalto o comando das operações no coração da Península mais delirante do mundo. Era apenas o início da guerra mais sangrenta da história de uma humanidade desviada desde sempre dos seus verdadeiros desígnios neste Planeta. 

São Judas Tadeu forçou um Conselho de Estado de emergência no Céu e Deus resolveu brindar a Terra com a sua famosa ira, nada nem ninguém lhe poderia fazer frente nos comando da Terra que havia criado em homenagem ao ser mais perfeito de todos os tempos: o humano.

Vegetam os corpos que seguem as doutrinas dos que apenas pensam em si próprios.

FIM

domingo, 17 de outubro de 2010

capítulo 13 - Raquel a guerreira


Raquel era uma secreta devota de São Judas Tadeu, muito embora praticasse todas as suas acções em estado de êxtase, sem a mais pequena consciência dos seus actos.

Em segredo total criara um exército de seres biónicos de características similares aos vigilantes das discotecas nocturnas que antes do dia da destruição pululavam pelas vielas de Lisboa.

Tal ideia surgira-lhe numa visita aos Estados Unidos, no seu jacto ultra-privado, quando vira o seu amigo Batista a esmagar a cabeça a um monstro com mais trinta centimetros de largura que ele. O futuro não estava nos filmes, apenas numa simples fórmula que ela tinha vindo a desenvolver desde a infância e um simples gesto de Batista dera-lhe a equação final daquele projecto que a tornaria a mulher mais poderosa do planeta.

A ideia dos Estados Unidos era evidente, pelos evidentes ganhos que a sua invenção poderia ter, criando uma raça de guerreiros pronta a destruir apenas com uma simples ordem. Todavia uma outra ideia a assaltava, destruir os próprios dogmas americanos e as suas poderosas indústrias de armamento que devastavam o mundo. Tudo seria feito no mais absoluto segredo, não existindo qualquer tipo de documentação que pudesse escapar do seu controlo. Mas para isso valia-se da sua primeira grande invenção.

Raquel era uma máquina infernal a pôr em prática a mudança radical do mundo, utilizando de forma abrupta as preces de São Judas Tadeu, em nome de um mundo diferente. 

A Agência de Viagens era apenas o perfeito embuste para poder seguir o seu trabalho.

capítulo 12 - A reviravolta

Fonte da foto: Régis Perassoli






Enquanto André, imbuído pela ideia de por em prática as preces de São Judas Tadeu, ia purificando o mundo como um justiceiro negro, sem nunca deixar rasto das suas acções. Alguém voltava a aparecer no mundo.

Ismael, que se havia escondido na residência secreta do Ministro, instalara-se no escritório deste onde arquitectava um plano com outros dois comandos quando lhe pareceu ver André nas imediações, através das câmaras que vigiavam cada recanto daquela casa. 

Algo de muito estranho se passava porque nunca o vira com aquelas feições duras, quase inexpressivas, e pior ficou quando o viu matar um por um os seus fieis que haviam conspirado na morte do Ministro. A cada um que matava mais depressa se aproximava dele.

- Que é que é isto? O André? Devo estar doido...

Entretanto fora do escritório seguia a sinistra personagem, em tudo idêntica a André, e sabia muito bem onde queria chegar, até olhar para uma das câmaras e falar:

- Ismael...

Este ficou petrificado um mero segundo, algo raro nele, sempre frio e seguro de si próprio.

- Sou eu! O André! Preciso falar contigo!

Agora tinha a certeza que algo estava errado e nem sequer respondeu, limitando-se a activar os engenhos explosivos que se encontravam num raio de 100 metros do escritório. Viu a personagem avançar, rindo-se, activou a primeira bomba e nada...

- É perfeitamente inútil meu caro... deixa-te de me tentares impedir, sei tudo acerca desta casa...

Ismael sentiu que talvez fosse verdade e ordenou a fuga do escritório. Mas antes assassinou os leais companheiros, não podia haver qualquer hipótese de alguém lhe sabotar a chegada ao poder e empurrando uma pequena alavanca, abriu uma porta que ra mais uma passagem secreta. Mas teve uma surpresa inesperada...

- E agora...
- Que caraças tu não és o André!
- Eu avisei que sabia tudo sobre esta casa
- Mas...
- De joelhos, no chão. JÁ!

Ismael tentou pensar rápido numa forma de escapar, mas tinha ali um adversário à altura... mesmo assim falou

- Podes ao menos dizer-me quem és?
- Não se vê pela cara?
- Mas... ele nunca me falou que tinha irmãos...
- Se nem ele sabe, agora anda por aí feito parvo a pregar a boa nova
- Isso não é dele - Ismael sorriu
- Não te rias cabrão... agora algema-te ao varão... já sabes que se fizeres alguma coisa, a porta fecha-se automaticamente e ficas cortado ao meio. - e riu-se com um olhar de ódio cada vez mais acentuado.
- Mas...
- Vou-te explicar... tenho planos para ti, mas preciso tratar de uns assuntos primeiro. Alguém muito mais acima de qualquer um de nós espera por um certo segredo escondido nesta casa...
- Espera lá... já percebi que conheces isto bem, mas há um sitio que só eu conheço... bem te podes desunhar que nunca vais encontrar o que queres sem mim...
- Bluff... pensas que não sei que estás a fazer bluff?
- Experimenta-me... também ando a perseguir esse documento tão importante para alguém muito acima de nós dois. E descobri onde ele está... apenas tens que me levar contigo.

Após alguns instantes em que o irmão de André olhou fixo para Ismael, chamou alguém por um intercomunicador e apareceram dois brutamontes saídos de algum combate de wrestling.

- Garanto-te que eles não são apenas músculo, por isso não tentes persuadi-los... isto não é a Paróquia...

capítulo 11 - Ismael o traidor

24 de Abril, o dia de todos os retrocessos, após terem posto Bondini a dormir, Ismael parou de correr 

- Esse merdas já está a dormir?

e tomou o comando das operações. Com a sua púdica figura, falsificada por motivos reles de poder, pode, por fim, mostrar-se à sociedade como o verdadeiro salvador, um verdadeiro camaleão sem limites na ansia pelo poder.

- Senhores telespectadores - baaaaaannnng! - o apresentador caiu redondo no chão

- Boa noite! - Ismael sentou-se no lugar do apresentador do Jornal da Noite - começou uma nova era! Lisboa foi tomada e em breve todos os devassos vão ser expulsos deste país. Acabou-se a falsa liberdade! 

Ainda com a pistola a fumegar, viu-se um rasto de sangue, o apresentador a ser arrastado pelos capangas de Ismael.

Aguardava-se com ansiedade para saber quem era aquele homem sinistro... que se escondeu na pele de cordeiro durante tanto tempo aos olhos dos que o amavam, e os amigos amavam-no como a um irmão.

- Durante alguns anos pude recolher os dados suficientes que me permitem escolher quem merece ou não viver. Assim sendo estão em campo todos os agentes necessários para impôr a ordem necessária ao novo estado de coisas. 

Do outro lado do ecrã, quem o ia reconhecendo abria a boca de espanto...

- Mas... mas... ele é judeu! Como é possível... 

A sua mãe, já cega e surda, passava os dias a chorar convicta da homossexualidade do filho, só assim se entendia que ele tivesse ido para padre! Nem imaginava o que pudesse estar a acontecer. O pai, esse estava no Túnel do Rossio, dois dias após nova reabertura ao público, morreu após vários dias debaixo dos destroços.

- Todavia, meu caros concidadãos... quem renegar o seu passado e acusar os traidores, facilitando o nosso trabalho, limpando a miséria que grassa neste país! Terá o seu futuro garantido! - de seguida entoou uma música tribal, plena de motivos fascizantes e proclamou-o como o novo hino de Portugal.

Ismael na ansia de poder total, tinha-se introduzido nos meandros da Igreja, ganhando muita influência e o silêncio de alguns membros do clero menos incautos, apesar de extremamente poderosos na hierarquia que chegava ao Vaticano. Era uma espécie de assassino a soldo com carta branca para o extermínio de tudo o que se movesse contra o poder que se pretendia instituir. 

- Senhor Ministro, Lisboa é nossa, tenho conhecimento que Madrid também foi tomada pelos nossos comandos e o povo está absolutamente desorientado.

- Perfeito Ismael.. é pena esse teu sangue de porco judeu - e pegou numa arma branca - preparando-se para a introduzir no peito de Ismael

Este enfurecia-se quando alguém o chamava de porco judeu e o Ministro pensava isso, porque se julgava de alguma raça superior.

Inesperadamente a luz apagou-se. Ouviram-se alguns gritos. Quando a luz voltou, o Ministro jazia morto e a sua cabeça havia desaparecido. De Ismael nem o mais pequeno rasto.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

capítulo 10 - Uma luz


O dia 24 de Abril ficou marcado na história, na reviravolta dos nossos destinos de devassidão e ultraje aos símbolos da normalidade. A novíssima polícia nascida da pequena guerra que destruiu toda a Lisboa e impôs um novo regime encarregou-se de alterar tudo.

André, foi brutalmente espancado junto ao Éden-Teatro, por alguém que dizia ser ele um comunista que roubava o pão dos pobres. As provas baseavam-se nos ditos. Houve mesmo quem lhe tentasse atear fogo, dizendo ser o gel obra do demónio, e todos seguiam cegos na sua razão ignóbil.

- Apanhem que é ladrão! Cortem-lhe a mão, ele é ladrão! Assassino comunista!
- Chulo da sociedade, mereces a morte, tens o demónio no cabelo...

E cuspiam-lhe para cima, e depois fugiam. Ouviam-se tiros.


De repente André deixava de ter gente a bater nele, passava a ter apenas um amontoado de mortos em cima dele. Nessa confusão conseguiu escapar aos exterminadores. A polícia da pureza e da beatitude.

Sem se poder mexer, começou a chorar, em absoluto silêncio, apenas esperando por algum momento em que acalmasse a fúria destruidora dos novos senhores de Lisboa. Que raio de pesadelo!

Mas a alma gritava, e sentiu-se tomado por uma sensação muito estranha, algo que nunca havia sentido antes, e as dores passaram, a paz sobreveio no meio da guerra suja que se havia instalado.

Sem saber como André viu-se num deserto, em pé, como se tivesse viajado no tempo e estivesse noutra vida. Viu um grupo de homens com mocas na mão, outros tinham pedras enormes e no centro um homem de corpo desprotegido rezava e sem nada o fazer prever olhou para André. Os homens na fúria desregrada não se aperceberam, André veio a descobrir que era apenas um invisível. Mas o homem, desprotegido que estava no meio da multidão enlouquecida, pronta a despejar as mocas e as pedras para cima dele, estava sereno. Passou essa serenidade a André. Afinal aquela era uma situação limite, de profunda radicalidade em que a vida se esvairia em sofrimento atroz. A vida, porque a alma daquele homem é eterna e esse olhar trespassou André, para sempre.

Uma voz entrou-lhe pelos ouvidos, de mansinho...

«Senhor Jesus, Tu escolheste S. Judas entre os teus Apóstolos e fizeste dele, para o nosso tempo, o Apóstolo das causas desesperadas. Agradeço-Te por todos os benefícios que me concedeste por sua intercessão e peço-Te que me concedas a Tua graça nesta vida para que possa participar um dia, na Tua glória, na alegria eterna. Amen.»

André nunca acreditou em Deus, talvez pelo exemplo depravado de Ismael, ou por sentir que a Igreja era o exemplo puro e duro da devassidão com as suas riquezas diabólicas, enquanto o mundo morria de guerras e à fome.

André sentiu-se abraçado e a força recebida de São Judas Tadeu fê-lo acreditar que o desespero daquele momento seria ultrapassado! 

Foi de tal forma intensa esta revelação que se tornou um devoto fanático para lá de todos os limites.

Três dias depois, André acordou, num sitio escuro, pleno de sujidade e rodeado de desencanto. À sua frente alguém rezava

- Mãe, o senhor acordou, o senhor acordou! - estava uma menina de cerca de seis anos, com o espanto de uma vida que renascia

- Eu... onde...
- Tenha calma senhor! Felicidade, traz um pano molhado, o homem ainda arde em febre
- Salvem-no daqueles loucos! Salvem-no por Jesus!
- Há três dias que delira meu querido! Fique sereno... aqui apenas há amor!

Aquele olhar dócil, fazia-o lembrar uma prima por quem se havia perdido de amores em adolescente. E que havia enlouquecido por um casamento que sempre se regera pelo interesse... por instantes, sentiu um pudor intenso, era como se tivesse atracção por uma irmã.

- Durma meu querido, o comprimido que lhe dei vai fazê-lo sair dessa prisão.

- Onde estou? - e adormeceu...

capítulo 9 - Raquel


A Raquel lançava sempre um sorriso quando falava na Mariana, a meia-irmã, mais chegada a ela que a própria irmã, com quem sempre tivera uma relação conflituosa. Bastava olhar para aquelas duas mulheres, de coração deslumbrante, que se deixavam encantar nos seus silêncios, dizendo mais que muita retórica impingida, muitas das vezes apenas para confundir. 

No dia em que rebentou a bomba em Lisboa, Raquel encontrava-se em Mafra, na casa dos pais, onde trabalhava, ali muito perto do Convento, numa agência de viagens, que geria com um primo com quem sempre tivera grandes afinidades e que havia entrado com o capital necessário para começar uma aventura que ela sentia ser única. Para demonstrar a sua capacidade estrondosa de fazer dos negócios mais estranhos, nos sítios mais improváveis uma referência, uma falta de prudência que fazia a diferença, quase sempre pela positiva. Foi esta postura no negócio e a sua candura implacável que utilizava amiúde para convencer os clientes, que a fez esquivar-se à dura realidade que se vivia.


Raquel de vinte e nove anos, quatro anos mais velha  que Bondini, já era muito madura, de uma beleza e sensualidade quase demoníacas. Sempre vivera naquele pequeno paraíso, de vento e frio chamado Mafra, passeando a sua triunfante beleza e inteligência pelas terras saloias. Algo de normal naquela terra de cortar a respiração.


De amor e de dor, de contemplações passadas, dos réis e rainhas, das caçadas e das idas à Ericeira, que naquele tempo já era uma sombra feia da antiga vila piscatória. É certo que a profunda e desorganizada corrida à construção haviam desfigurado tudo e que a incúria dos governantes estava a dar os seus frutos podres e a demonstrar aos profetas da desgraça a sua infeliz razão. Raquel seguia bem atenta a toda essa constelação de asneiras, capitalizando o que podia funcionar a seu favor.

Cresceu no meio de uma família de algumas posses, tanto o pai como a mãe eram dali perto, do Sobreiro, bem ao lado da famosa Aldeia de José Franco, que ainda hoje atrai tantos turistas apesar do abandono a que começa a estar votada. 

Fez a escola toda em Mafra, conhecendo cada catraio que cirandava por aquelas bandas, nunca se moveu para além daquele círculo, andando por entre os mafarricos e os jagozes com um à vontade de quem quer tirar o melhor de cada um para seu exclusivo proveito. Oportunista? Interesseira? O tempo seria bom conselheiro na demonstração cabal de quem ela era.

Foi para a Universidade, tirar engenharia informática, aprendendo todos os truques para penetrar nas mais intrincadas redes informáticas ao ponto de ser referenciada pela Judiciária como uma das mais perigosas hackers do universo europeu. Reza a lenda que o seu professor de Programação na Universidade era um agente disfarçado da PJ e que ela se dispunha a actos de loucura que o punham fora de si. Sexo? Sim, sexo. Valia tudo, o prazer naquela mulher era algo de insaciável.

Conheceu-a na discoteca Sociedade Anónima, numa noite de intenso nevoeiro em que não se via um boi à frente do nariz, tinha ido para os copos com o André. O Ismael nessa noite estava a ultimar os preparativos para a ordenação. Na pista tocava o Blue Monday, coisa arcaica que sempre o deslumbrou, ainda hoje vibra com aqueles sons, ainda para mais quando se lembra que foi assim que conheceu a mulher da sua vida. 

O primeiro contacto foi apenas um mero roçar, viraram o corpo e de braços bem no alto, ela com a sua figura esguia, de peitos arrebitados, linda, linda de morrer, morena e de olhos verdes, excitou-o logo na altura...

- Quero fazer amor contigo
- Não perdes tempo, vamos

... tão simples como isto, tinha visto alguns filmes porno que não eram tão directos, e foram até a uma mesa, naquela noite fria, de nevoeiro brutalmente intenso. Ela sentou-se em cima dele, levantando a saia, roçando o seu sexo quente, meu Deus, tão ardente e prepotente na sua ânsia de o comer, logo ali, com tanta gente e sem ninguém a ligar nada, tal o frenesim que o Blue Monday provocava naquela malta nova, em transe. Depressa lhe fez a vontade penetrando-a com vigor. Enquanto isso as duas bocas uniam-se num salivar guloso sem a mais pequena preocupação de se sujarem ou de beliscarem a reputação. 

Olhou para o lado e viu André. O gajo piscou-lhe o olho e levantou-se, já tinha uma loira debaixo de olho e nessa noite nem sequer chegou a sair com ele, estava em absoluto êxtase. Foi directo para Mafra com Raquel. Deitaram-se sem nunca se largarem. Sem dormir, numa noite de sexo intenso, escaldante, brutal, como nunca mais tiveram. 

Nessa noite descobriram que nada mais os separaria, nas abençoadas fraquezas da carne, que tudo obscureciam. 

Casaram dois meses depois, na loucura de uma dança tribal qualquer numa discoteca da moda de Lisboa, que desapareceu no fatídico dia 24 de Abril.

Nesse dia Raquel estava em Belém, a ultimar um negócio com dois casais amigos que queriam marcar uma viagem para Cuba, tinha feito a viagem de automóvel de Mafra até aos limites do Rio Tejo, donde já se avistava a Ponte 25 de Abril. 

Esta era uma parte da Raquel, a sua atitude perante a vida era sempre de insistir, de avançar com os projectos por mais estranhos e bizarros que parecessem. Mais pela crença que pelas virtudes, mas ela encontrava sempre as virtudes necessárias para continuar…

- Que o homem não separe o que Deus uniu… - e um beijo na boca selou um casamento perfeito…

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

capítulo 8 - Reencontro

- Entra Romão... meu querido!

Era a Raquel, a sua mulher, coincidências, ou talvez fizesse parte do plano

- Sabias que eu estava aqui?
- Isto está um horror, um verdadeiro horror!
- Mas sabias que eu estava aqui, só podias saber!
- Sabia, claro que sabia, temos quinze minutos para entrar numa casa. 
- Mas o que se passa?
- É a ditadura, do piorio, matam por tudo e por nada, e o povo rejubila!
- Queria eu saber porque é que me fizeram o que fizeram?
- Cala-te amor, deixa-te estar quieto.

ou talvez não, tudo lhe era muito confuso, não sentia a perna direita, o coração batia desgovernado, apenas sonhava com uma cama, com alguns minutos de sono, havia muito tempo que não dormia, que não sabia o que era um a porra de um sono reparador. Será que dali para a frente saberia voltar a viver?

- Romão... meu Deus como te maltrataram, temos que entrar ali na casa da minha amiga
- A Mariana?
- Sim , sim...
- Entrem, entrem depressa, os caças já estão no ar... depressa por Jesus...

Não se lembrou de mais nada, senão de acordar, numa cama de lençóis de flanela, sedado, mas com dores horríveis nas pernas, os braços sem reacção, a boca sem a conseguir mexer. Olhou para o lado e viu Raquel. Há quanto tempo não via a sua mulher, e o desejo não era de sexo, apenas procurava uma forma de conseguir ter motivos para lutar. Depressa os arranjou, as forças vinham sempre de onde menos se esperava.

domingo, 12 de setembro de 2010

capítulo 7 - A ilusão da liberdade






Um dia libertaram Bondini. Ia dentro duma carrinha, sem aviso, sem sequer pararem, deitaram-no para a rua, completamente nu. Era Inverno, daqueles dias bem frios, o corpo definhado, devia ter emagrecido uns 30 quilos, dores indescritíveis, pesadelos sem fim de noite nunca dormidas, talvez se tivessem passado alguns meses, talvez uns dias... dias não, que era Verão quando aquilo tinha acontecido. Meses sim, alguns meses. Não conhecia aquele sítio, era muito estranho. Um olho não o conseguia abrir. Alguns carros passaram e só ouvia as pessoas indignadas por estar nu

- Tapa-te ó tarado
- Vamos chamar a polícia, isto já não há vergonha
- Estás feito tarado, vais ser fuzilado - e riam-se, fugindo de uma sirene que já se ouvia lá ao longe...

mas houve alguém que parou.

Capítulo 6 - A tortura


- Então chamas-te Romão?
- Sim...
- Olha para cima filho da puta! Quando falo contigo olhas para mim!!! Porrada neste! - um polícia com ar de boi enfurecido, berrava! Os outros obedeciam
- Meu Deus!
- Aqui estás fodido, o teu deus sou eu! E eu é que sei o que deves dizer por isso não te desvies! Filho da puta, olha para cima!!! Cabrão de merda que te mato já aqui!
.
O corpo doía-lhe, as dores eram absolutamente lancinantes, apenas lhe apetecia morrer. Não entendia como era possível aquela reviravolta brutal. À espera de uma noite com gajas boas, de sexo a rodos e acabar tudo assim, numa sala obscura. Parecia que viva num cenário daqueles que tinha lido em livros acerca de mentes psicóticas.

Tinha havido uma insurreição. Uma Junta Militar tinha tomado conta do poder, apregoava-se de novo o nome de Salazar nas ruas, a pena de morte tinha sido reinstaurada, as execuções sumárias uma prioridade do novo Executivo. As fronteiras fechadas e ameaças a todos os estrangeiros presentes. Mas naquele momento só lhe interessava sair dali, faria o que fosse preciso, apenas era preciso adivinhar o que aqueles gajos queriam, eles não diziam e isso fazia-o lembrar a velha Inquisição.

Nos momentos de curta solidão, nu, deitado num chão sujo, ouvia gritos de dor lancinante, vindos de si mesmo, como se a alma se tivesse desprendido do corpo

- Não, isso não
- Diz-nos nomes cabrão!
- Eu digo... mas parem com isso, por favor
- Parem... que ele vai falar já a seguir, tem três segundos para começar a falar, um, dois...
- André Queirós, Romão Silva e a família deste também - nunca falou tão rápido na sua vida...
- Eu sabia, ficas na solitária uma semana e depois... pensa bem no que vais ter para me dizer se alguma destas informações for mentira...
- Oh não, protejam-me, sou um homem morto!
- Descansa que tenho bons planos para ti minha puta, o teu alimento vão ser as ratazanas que aparecem pelo ralo do esgoto, tenta sobreviver-lhes - e ria-se, sinistro, aberrante...

e pensava delirar quando ouvia o seu nome, no meio da violência sem sentido, sem que houvesse alguém que a fizesse parar

- Então Romão, ou será Romano, o terrorista?
- O quê?
- Não me chateies merdoso, não mintas, não mintas, já sabemos de tudo
- Não entendo...
- E a Dona Josefina... - o fulano que o ia torturando batia com o bastão nas paredes, cada vez com mais força e resolveu dar-lhe no joelho direito - bem me parecia que és o filho dela!
- Não! Não! A minha mamã não... - o choro tornava-se compulsivo, a fúria cada vez maior -
- Sim, gosto dessa raiva - pisando-lhe a mão - vais precisar dela para viver meu filho da puta...

e lá vinham eles para cima dele, pontapés por todo o lado, choques eléctricos nos orgãos genitais, seria possível descrever maior dor? Pensou no que os levava ali, não sabia o que tinha feito, já tinha visto daquilo em filmes e agora estava ali... estava a ser violentado. Apenas lhe falavam na mãe, isso punha-o louco. Porquê? O que havia de tão importante na sua pessoa para o maltratarem daquela maneira? Puro gozo de violência gratuita? Não percebeu durante muito tempo. 

capítulo 5 - A bomba rebentou



O pó, o sangue, pedaços de corpos a voarem e gritos, muitos gritos. Bondini, no meio dos destroços, não conseguia distinguir nada direito. 

Em plena Baixa Pombalina, um atentado? Parecia que algum terrorista não gostava das atitudes subservientes do governo português e como sempre quem pagava era o mesmo, o indefeso eleitor

- Ismael, estás bem?
- Ai, porra para esta merda
- E tu Bondini?
- Estou bem André, deixa-me em paz

e quando o pó assentou, ainda viram uma senhora de vestido ensanguentado, à procura dum braço, 

- Alguém viu o meu braço?

libertando-se da vida. Andava por entre os escombros, perdida. E caiu de repente, abatida sem se saber porquê.

De repente, algo agarrou com toda a força Bondini. Sem piedade, sem a mais pequena noção do bem ou do mal. Apenas levado dali. A ultima coisa que se lembrou foi ver o Ismael fugir. Presumindo que quisesse esconder a sua condição de padre. Pareceu-lhe ver alguém com um bastão a persegui-lo. Desfaleceu.

capítulo 4 - Regresso ao passado

Então um belo dia, já se conheciam há cinco anos, todos os três no auge dos vinte e cinco anos, formosos e endinheirados, foram jantar uma valente mariscada, onde sempre se juntavam. 



André, carregado de gel, com o seu fato Armani, bem justo ao corpo musculado.


Ismael, transfigurado, quase irreconhecível, de fato preto, casaco de cabedal à Matrix, cabelo bem curto e um charuto cubano na mão direita. Um padre de charuto e todo de preto? Charuto pecaminoso!



Sentaram-se na mesa do costume e falaram, 



- Por Jesus, Bondini

- Ah! Ah! Ah! Era ver-te ali a lamberes a velha, estava toda maluca

- O Senhor perdoou-me, dei umas chicotadas no lombo e pronto

- Deves ter dado é umas trancadas na Sofia

- Cuidado com a linguagem André!

- Oh querias era papá-la! 



de um futuro que, amargamente, se transformaria em pura ilusão



- Tenho uma ideia, mas preciso que alinhem todos

- Temos orgia hoje? Eh! Eh! Eh!

- Nada disso que merda. E tem este gajo o compromisso que tem!!!

- Diz então... e tu padreco cala-te, deixa o André falar...

- Então é assim, conheço uma vivenda ali para os lados do Restelo...



E ouviu-se um estrondo enorme...